Questões que merecem revisão |
1 Nomenclatura É preciso uma revisão da Nomenclatura Gramatical Brasileira para adequá-la à terminologia científica corrente, que seja fruto das modernas teorias linguísticas e procure dar conta da realidade da língua tal qual inferida pelas pesquisas. |
2 Uso de corpus e métodos empíricos Incorporação à norma dos usos correntes em textos cultos, com base em levantamentos exaustivos realizados pela comunidade de pesquisadores, como o Projeto Nurc (Norma Urbana Culta), por exemplo, e mesmo a abonação de formas populares que se mostrem práticas e racionais. |
3 Regularização de paradigmas Acréscimo às formas irregulares inúteis, como "apiado, apiadas" (do verbo "apiedar"), "mobílio, mobílias" (de "mobiliar") e "medeio, medeias" (de "mediar") das regulares: "apiedo", "mobilio", "medio", etc. Além disso, regularização de verbos defectivos como "adequar", que, embora contra a vontade de boa parte dos gramáticos, já se conjuga, na prática, em todas as pessoas e tempos. |
4 O pronome pessoal "você" Reconhecimento de que "você" e "vocês" são pronomes pessoais e não de tratamento. (Se a gramática normativa serve para normatizar a língua padrão, então formas regionais, coloquiais e arcaicas como "tu" e "vós", não usuais no registro formal, devem ser objeto de um capítulo à parte do ensino de língua, tal como acontece em inglês com os pronomes pessoais thou e ye, restritos à literatura clássica.) |
5 Colocação pronominal Racionalização da colocação dos pronomes pessoais oblíquos; para isso, deveríamos nos espelhar tanto no uso efetivo dos falantes quanto nas regras das demais línguas, bem mais simples que as nossas. Um dos efeitos disso seria o reconhecimento definitivo do caráter arcaico e pedante da mesóclise. Apenas como exemplo, o espanhol e o italiano dos séculos 16 e 17 usavam ênclises como ainda hoje são prescritas em português (esp. dábasemelo, it. rivolgerommi), mas há muito as aboliram: hoje o que temos é "se me lo daba" e "mi rivolgerò". Em português, a solução mais prática, a meu ver, seria a colocação livre. |
6 Simplificação dos numerais Simplificação da numeração ordinal, fracionária e distributiva: paralelamente a "bismilésimo octingentésimo nonagésimo quarto", forma importada do latim, teríamos "dois mil oitocentos e noventa e quarto" (isto é, 2.894º), como fazem as outras línguas. Aliás, já se diz popularmente "trinta e quatro DP" em vez de "trigésima quarta DP" por causa da grande complexidade dos numerais ordinais do português. |
7 Aumentativos e diminutivos Simplificação das regras de formação de aumentativos e diminutivos: ao lado de "homenzarrão", "copázio" e "fogaréu", teríamos formas regulares como "homão", "homenzão", "copão" e "foguinho". |
8 Fim da estigmatização de certas construções Formas correntes em outros idiomas e também em Portugal são injustamente estigmatizadas no Brasil, como "a nível de", "mais grande" e "mais pequeno". A construção "a nível de", que nossos gramáticos condenam por pura idiossincrasia, é norma em português lusitano, espanhol, francês, italiano e inglês. Por sinal, os lusitanos preferem sempre "a" a "em" (sentar-se à mesa, chegar a casa, sair à janela), o que justifica "entrega a domicílio", por exemplo. |
9 Formação de superlativos Muitos dos nossos superlativos absolutos sintéticos são empréstimos do latim, o que gera irregularidades como "magro" x "magérrimo/macérrimo", "sagrado" x "sacratíssimo", "fácil" x "facílimo". Por que não aceitar também "magríssimo", "sagradíssimo", "facilíssimo"? Parece estranho? Pois é exatamente assim que o italiano forma seus superlativos. |
10 Abonação de regências verbais contemporâneas Atualmente, "assistir" e "obedecer", dentre outros, são usados, na melhor imprensa, como transitivos diretos, inclusive com direito a voz passiva: "foi o filme mais assistido", "a ordem não foi obedecida". A propósito, se "resistir" é transitivo indireto e não admite voz passiva (como supostamente também "assistir"), então como justificar "irresistível"? Afinal, "irresistível" é o que não pode ser resistido?! |
11 "Vende-se" ou "vendem-se"? A questão da concordância em construções passivas sintéticas já se tornou prosaica. Além de estudos avançados em sintaxe demonstrarem que, atualmente, não existem passivas sintéticas em português, alguns gramáticos já aceitam a construção "vende-se casas" paralelamente a "vendem-se casas". |
12 Objeto direto preposicionado Deve-se usar sempre a preposição "a" diante de pronomes oblíquos tônicos, mesmo quando o verbo é transitivo direto: "vi a ele, não a ela", "eu amo a você, não a ele". Entretanto, construções como "vi ele, não ela" e "eu amo você, não ele" são padrão em outros idiomas. (O espanhol é a única língua além do português a ter objeto direto preposicionado, mas com a diferença de que a preposição "a" é obrigatória diante de objeto direto animado.) |
13 Orações adjetivas reduzidas de gerúndio Muitos gramáticos rejeitam orações adjetivas reduzidas de gerúndio com verbos que não denotem ação. No lugar de "um livro contendo receitas", prescrevem "um livro que contém receitas". No entanto, em francês, italiano, inglês e alemão, ambas as construções são corretas, e a gerundial é a mais frequente, inclusive no registro formal. |
14 Orações subordinadas substantivas regidas por preposição Orações subordinadas substantivas objetivas indiretas ou completivas nominais introduzidas por "que" devem ser precedidas de preposição, exceto em uns poucos casos ("preciso que", "gosto que"). Só que, na prática, essa preposição vem sendo abolida mesmo pelos falantes cultos ("informá-lo que" é tão aceitável quanto "informá-lo de que"); em alguns casos, essa regra gera até hipercorreção: "eu acredito de que". Além disso, as demais línguas europeias prescindem dessa preposição. Compare: port. "estou certo de que", esp. estoy seguro que, fr. je suis sûr que, it. sono sicuro che, ing. I am sure that. Finalmente, dizemos "antes que", "depois que" e não *"antes de que", *"depois de que". |