Para você não se perder no bairro, mais recente romance de Patrick Modiano, foi publicado em 2014, mesmo ano em que o autor recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. O título chega com exclusividade ao Brasil pela Rocco, editora responsável por apresentar ao país a obra do escritor francês apontado como “um Marcel Proust de nosso tempo” pela Academia Sueca, na década de 1980, e por reedita-la, pela ocasião da entrega do Prêmio, com novo projeto gráfico e posfácios assinados.
De curta extensão, como a maioria das obras do autor, Para você não se perder no bairro é a saga íntima de um homem em busca da sua identidade. Não à toa, Modiano escolheu como epígrafe uma frase de Stendhal que é um resumo de sua obsessão como narrador: “Não posso oferecer a realidade dos fatos, mas apenas a sua sombra.”
O protagonista é Jean Daragane, um escritor veterano cuja rotina solitária é alterada abruptamente, quando acontecimentos recentes o levam a recordar seus tempos de menino. O livro começa de maneira impactante. Às quatro horas da tarde de um dia comum – nas tramas de Modiano, os destinos dos personagens podem mudar a qualquer momento – toca o telefone na casa de Daragane. Uma voz “suave e ameaçadora” diz que encontrou uma caderneta de endereços e telefones, e a quer devolver pessoalmente. Mesmo contra sua vontade, o escritor aceita o encontro num café de Paris.
O desconhecido se identifica como o jornalista free-lancer Gilles Ottolini. Está acompanhado de uma jovem, Chantal Grippay, vestida de preto, que logo provoca em Daragane uma emoção inquieta que ele não sabe explicar de onde vem. Ottolini explica então seu interesse na caderneta: nela está anotado o nome de um homem, Guy Torstel, que ele investiga, e cuja história estaria ligada a um assassinato na época do pós-guerra na França.
O número do telefone de Torstel está anotado com sua letra, mas o escritor não sabe de quem se trata. Para complicar a situação, é o mesmo nome de um personagem secundário que aparece no primeiro livro de Daragane, publicado muitos anos antes e intitulado No escuro do verão. É a senha para se estabelecer um jogo metaliterário no qual o passado e o presente se cruzam, o real e o imaginário se fundem.
A partir desse encontro inusitado, o relato se transforma quase numa investigação detetivesca. O autor se apropria dos melhores recursos do suspense, e mesmo da literatura e do “film noir”, para estabelecer um clima de angústia existencial. O que parecia enterrado volta em forma de mistério a ser decifrado em um túnel do tempo que ecoa o período do colaboracionismo e da ocupação da França pelos nazistas durante a Segunda Guerra.
As novelas de Modiano já foram comparadas a um puzzle: elementos de autoficção, protagonistas escritores, a peculiar geografia dos subúrbios e das pequenas cidades francesas, o estranhamento com o mundo moderno. Seu estilo é tão preciso como hipnótico, tão sóbrio como deslumbrante – um segredo de alquimia que o autor sabe dosar como ninguém, em capítulos breves e frases curtas e simples. A narrativa é dotada de tensão crescente.
Na França, o neologismo “modianesco” já é de uso comum. Significa designar uma personagem ou uma situação em claro-escuro, nem lógica nem absurda, no meio do caminho entre dois mundos, entre a luz e a sombra.
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