Redação
Como é calculada a nota do Enem
Avaliação dos participantes
varia de acordo com o desempenho de cada um deles no exame. Prova é
regida por uma complexa teoria matemática
Instituído em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio pretendia
originalmente medir a qualidade da educação oferecida aos estudantes
brasileiros. Não importava aos participantes da avaliação, portanto,
saber como eram calculadas suas médias. A história, contudo, mudou em
2009, quando algumas das mais importantes universidades federais e
estaduais passaram a usar as notas da prova como parte de seus processos
seletivos – em alguns casos, o Enem substitui mesmo o vestibular. Desde
então, a cada ano, os estudantes se vêem perplexos diante de seus
resultados. De fato, não é fácil compreender como é elaborada a nota
final de um participante do exame e, por isso, fazem muito barulho
denúncias de estudantes que não acertam sequer uma questão e que, mesmo
assim, não recebem um zero como nota. Também chamam a atenção episódios
em que participantes assinalam corretamente o mesmo número de testes,
mas obtêm notas diferentes. Todos devem ter calma: há falhas graves na
história do Enem, como erros de impressão em provas e vazamento de questões, mas a produção das notas não está entre elas.
A elaboração da prova e o cálculo das notas dos participantes estão
profundamente ligados no Enem. Ambos se apoiam num complexo sistema
matemático chamado teoria da resposta ao item (TRI), consagrada
internacionalmente. A execução do programa começa com a realização do
chamado pré-teste, uma avaliação secreta que afere o grau de dificuldade
das questões que mais tarde serão apresentadas nas provas abertas ao
público. Com as respostas do pré-teste em mãos, os examinadores podem
determinar quais questões são mais ou menos difíceis: elas são, então,
dispostas em uma espécie de "régua de conhecimento", cujas marcações
indicam o maior ou menor grau de complexidade. Isso será decisivo na
apuração dos resultados. (confira abaixo como funciona o método)
Após a aplicação da prova surge outro fator igualmente importante. Uma
questão corretamente assinalada não tem valor em si. Ela só adquire um
peso quando o sistema de correção avalia o desempenho geral do
participante na prova e o grau de dificuldade da questão. Isso porque o
método não considera apenas os acertos, mas também os erros. Se o
participante acerta somente questões difíceis, sinaliza ao sistema de
correção inconsistência no domínio da disciplina avaliada, pois a TRI
considera que o conhecimento necessário à resolução dos testes fáceis é
um pré-requisito à solução dos mais complexos. Em uma situação como
essa, portanto, o sistema avalia que é alta a probabilidade de o acerto
ser fruto da sorte (ou de boa mira para o "chute").
"Coerência é a palavra que rege a TRI", diz Dalton Andrade, da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista no assunto.
"O conjunto de respostas corretas deve ser coerente com o domínio de
conhecimento que o estudante de fato possui." Em resumo: quem não domina
as quatro operações matemáticas básicas não pode resolver equações do
segundo grau.
Obedecendo à mesma lógica, o sistema deve atribuir uma nota mais alta a
outro participante que tenha desempenho mais regular, ainda que ele não
se saia tão bem com as questões mais difíceis. Por fim, esses dados
alimentam um programa previamente calibrado por examinadores, de onde
sai a média final. É, como se vê, um processo totalmente diferente do
adotado pelos tradicionais vestibulares brasileiros, em que cada questão
corretamente assinalada corresponde a um ponto. A diferença faz de
provas como o Enem avaliações mais personalizadas e, na opinião dos
especialistas, mais justas. "Esses exames avaliam de forma aprofundada o
conhecimento do estudante. Já os vestibulares tradicionais tem como
principal objetivo eliminar candidatos: quantos mais, melhor", diz
Andrade.
O uso da TRI no Enem explica os aparentes
disparates do exame, como o fato de os participantes que erram e os que
acertam todas as questões não receberem, respectivamente, notas zero e
1.000. O início da "régua de conhecimento" não é o zero, mas um valor
que indica o grau de complexidade da questão mais fácil presente na
prova. Caso a medição recaia em 200 pontos, por exemplo, essa será a
nota mínima atribuída a qualquer participante do exame. "Com isso, o
sistema quer dizer que esse é o menor nível que a prova é capaz de
medir", diz Tufi Machado Soares, da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF). "Portanto, o conhecimento do participante é igual ou menor ao
mínimo avaliado." Raciocínio semelhante é válido para a nota máxima.
A TRI começou a ser desenvolvida por volta de 1950, quando
pesquisadores americanos e europeus se questionavam sobre a eficácia da
teoria clássica de testes para avaliar o conhecimento dos estudantes.
Nos anos seguintes, as pesquisas se desenvolveram nos Estados Unidos,
especialmente entre um grupo de especialistas que mais tarde se reuniria
no Educational Testing Service (ETS), associação sem fins lucrativos
responsável pelo SAT, espécie de Enem americano,
cuja realização é obrigatória para aspirantes a universidades
americanas, e também pelo exame de proficiência em língua inglesa Toefl.
Aos poucos, o método se consagrou. Hoje, é com a ajuda dele que a OCDE,
organização que reúne as nações mais desenvolvidas do planeta, aplica o
Pisa, teste internacional que avalia o sistema educacional de 65 países
– incluindo o Brasil. Por aqui, a TRI foi usada pela primeira vez em
larga escala na década de 1990, quando o MEC deu início às avaliações
educacionais como o Saeb.
Um dos grandes trunfos do sistema é permitir a aplicação de provas
diferentes, mas pedagogicamente equivalentes. Com isso o SAT pode, por
exemplo, ser realizado em sete datas distintas nos Estados Unidos, e as
notas dos participantes ser consideradas parte de um mesmo conjunto.
Isso possibilitou também que o MEC aplicasse uma segunda prova a um
grupo de apenas 9.500 estudantes quando falhas de impressão em cartões
de questões e respostas prejudicaram a edição de 2010 do Enem. Como as
provas tinham dificuldade idêntica, ninguém saiu prejudicado na hora de
usar a nota do Enem na admissão universitária. Apoiado nisso também, o
MEC planeja realizar mais de uma edição do Enem ao ano, tentativa
frustrada neste ano devido à falta de planejamento técnico do ministério.
"Além de ser um sistema de seleção, o Enem é também um balizador de
políticas públicas", diz Dalton Andrade, da UFSC. Apesar disso, a
avaliação ainda tem pela frente a tarefa de se fazer entender. "A
complexidade e as nuances da TRI dificultam sua compreensão e, portanto,
suscitam dúvidas", diz Tufi Soares, da UFJF. "É um método complexo,
baseados em estatísticas e cálculos que só podem ser feitos por
computador."
GOULART, Nathália. Como é calculada a nota do Enem. VEJA. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/como-e-calculada-a-nota-do-enem#quadro1. Acesso em: 04/11/2012.
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