Redação
IMPESSOALIZAÇÃO DO DISCURSO
1. Uma das formas de impessoalizar a linguagem é indeterminar o sujeito. Para isso, existem duas possibilidades:
- suprime-se o sujeito e coloca-se o verbo na 3ª pessoa do plural;
- emprega-se verbo intransitivo ou transitivo indireto ou de ligação + pronome se.
Observe:
O presidente da associação já redigiu o requerimento. / Já redigiram o requerimento.
Precisamos de pessoas idealistas. / Precisa-se de pessoas idealistas.
2. Outra forma de impessoalização é passar orações na voz ativa para a voz passiva, suprimindo o agente da passiva. Há dois meios de transformar a voz ativa em voz passiva:
- verbo transitivo direto na forma analítica, acompanhado do auxiliar ser ou estar;
- verbo transitivo direto na forma sintética, acompanhado da partícula apassivadora se.
Observe:
Quando alguém ou um grupo julga uma pessoa não pelo que ela é...(ativa)
Quando uma pessoa é julgada não pelo que ela é...(passiva analítica)
Quando se julga uma pessoa não pelo que ela é...(passiva sintética)
3. Outra forma de impessoalizar a linguagem é fazer uso de alguns verbos, como haver, fazer, existir, e expressões como convém observar, é bom lembrar, é preciso considerar, não se pode esquecer, é indispensável, é importante, etc.
Observe:
Eu acho que todos devem colaborar na campanha da vacinação de idosos.
Convém que todos colaborem na campanha da vacinação de idosos.
4. O texto a seguir foi publicado numa revista brasileira alguns meses antes das Olimpíadas de Atenas e logo após a conquista da medalha de ouro por Daiane dos Santos, no Mundial de Ginástica no Rio de Janeiro. O texto apresenta marcas de pessoalidade. Identifique-as.
Vai para o pódio ou não vai?
Nunca é tarde para aprender um esporte. Neste momento, por exemplo, somos 170 milhões em ação, tentando decifrar a ginástica olímpica. Não importa que poucos entre nós sejam capazes de distinguir entre um duplo twist carpado e um duplo twist esticado sem o auxílio do replay em câmera lenta. Daqui até o início das Olimpíadas teremos tempo suficiente para aprender a avaliar um exercício de solo com precisão de três casas depois da vírgula. "Ladrões! Esse era pra no mínimo 9,689!", vociferarão pais de família, com a mesma naturalidade de quem contesta um impedimento mal marcado.
Já vimos esse filme. Até 1997, por exemplo, a palavra "saibro" não fazia parte do vocabulário cotidiano. Na nossa cultura, se algo passasse de zero para 15, fosse direto a 30 e logo depois a 40, tratava-se evidentemente de um sinal da volta da hiperinflação, e não de um sistema exótico de contagem de pontos. No entanto, bastou o Guga ser campeão em Roland Garros para que os resultados do tênis passassem a aparecer diariamente no noticiário, junto com a cotação do dólar e o ibope da novela das 9. A prolongada má fase do nosso jogador número um, contudo, ameaça relegar o tênis ao mesmo limbo habitado por esportes outrora populares, como o xadrez de Mequinho e o salto triplo de João do Pulo.
O fato é que não gostamos de esporte: gostamos é de campeões. Precisaríamos nascer de novo para aprender a apreciar uma competição esportiva como se deve. Na encarnação atual, nosso negócio é torcer. Nem todos os esportes, infelizmente, são apropriados ao nosso estilo de torcida. Ainda não se sabe como o mundo reagirá àquele mar de camisetas amarelas nas arquibancadas de Atenas berrando "Ê Ô Ê Ô, A DAIANE É UM TERROR!".
Observe o contra-senso. Somos os inventores do único esporte verdadeiramente olímpico - o frescobol, jogo singular em que não há vencedor nem vencido. Ainda assim, os esportes em que não temos chances de ser campeões nos causam a mais olímpica indiferença. Veja o caso da Fórmula 1. Alguém aí tem acompanhado as corridas de verdade, como antigamente? Duvido. A gente deixa a TV ligada, mas é só para passar o tempo, enquanto espera o Nelsinho Piquet Jr. chegar.
O mais espantoso é que, com exceção do futebol, nossos campeões mundiais surgem em esportes que nenhum brasileiro parece praticar na vida real. Antes do Guga, o Brasil só se destacava pelo roubo de tênis. Ginástica é um esporte que normalmente só praticamos com o orçamento doméstico. E nosso talento natural para o automobilismo - a saber: atravessar o sinal vermelho, ultrapassar pelo acostamento e molhar a mão do guarda - não serve para nada na hora de disputar um grande prêmio.
O difícil de torcer por esses esportes desconhecidos é aprender a conviver com a irregularidade dos atletas. São poucas as modalidades em que conseguimos manter nossa hegemonia de maneira consistente. Só existe um esporte em que não somos ameaçados por nenhum país há muitos anos: o top-modelismo. Faz pelo menos duas Copas do Mundo que Gisele Bündchen lidera o ranking, sem amarelar. O que mais podemos querer? Daiane no solo, Gisele na passarela. É! CAM-PE-ÃO! É! CAM-PE-ÃO! (Revista Época, 12/4/2004, coluna Xongas)
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